PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO

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Nascido em uma Alemanha pós-guerra, para justificar uma política de reconstrução coligada a preservação ambiental, o Princípio da Precaução foi aos poucos sendo incorporado a acordos internacionais e em 1992, foi reconhecido como o 15º Princípio da Declaração assinada na ECO RIO 92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento).
PRINCÍPIO 15 – “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
Tal qual o conceito do bem e do mal que pode variar regionalmente e modificar-se ao longo do tempo, em geral por dogmas e condicionantes religiosos, o princípio da precaução tem função limitada ante a concepção individual ou social da realidade e da postura vivencial, mais em razão de mantras mediáticas que obscurecem nossa percepção e entendimento.
Mesmo considerando um determinado espaço-tempo por vezes a precaução surge distorcida, misturando-se com simples necessidades de prevenções. No caso dos agrotóxicos, por exemplo, antes mesmo de ter seu passaporte carimbado para uso nas lavouras, o produto já ultrapassou diversas barreiras precaucionais. Precauções totalmente esquecidas pela mídia. Veja o quadro.
Na área toxicológica ligada à saúde pública ocupacional, a dose testada em animais de laboratório é bem superior àquela do futuro uso. Os estudos toxicológicos, farmacocinéticos e de metabolismo são feitos em diversos tipos de animais e o resultado escolhido é aquele da cobaia que se mostrou mais sensível, acrescidos de um fator 10 vezes, justamente para representar essa variabilidade entre animais. Como não é possível testar completamente o produto diretamente em humanos é acrescentado outro fator 10 vezes. Para estabelecer o limite máximo de resíduo que uma pessoa pode ingerir por dia durante toda a sua vida sem sentir danos, outros fatores de segurança são agregados. Aí, nesse estudo do risco dietário, temos: O resíduo é verificado em todas as partes do extrato vegetal e não só na parte comestível (banana e laranja, por exemplo, só se ingere 70% do total). O maior valor encontrado de resíduo é o que fica valendo, independente do encontrado no ponto da curva que exprime o prazo de carência entre a última aplicação e a colheita. Relevante ressaltar ainda que não se tem levado em conta: (a) a constatação de que apenas parte da safra é tratada com o pesticida em estudo, ou (b) que na maioria das culturas tratadas o resíduo tem ficado bem abaixo do LMR determinado e (c) nem se cogita considerar as reduções dos resíduos no tempo de armazenagem ou no
processamento industrial (lavagem, secagem, fermentação, refinamento, cocção, etc.).
Na área ambiental os níveis de periculosidade de uma substância são estabelecidos a partir de estudos de cinética e biodegradabilidade nos solos, testes de toxicidade em microorganismos do solo, algas, crustáceos, minhoca, aves, abelhas e mamíferos.
Essas são as precauções que a ciência impõe quando do desenvolvimento de um pesticida para que possa ser usado sem maiores temores no tocante à exposição e à dieta alimentar. Essas precauções foram aprimoradas durante décadas. Claramente elas nos mostram que não somos ignorantes sobre a periculosidade de um produto e o conhecimento acumulado não pode ser taxado de incerteza científica.
É como um carro. Hoje temos um sistema de freios bem mais seguro que os dos primeiros carros. A estrutura moderna de um veículo protege mais seus passageiros que anteriormente. No entanto, o risco persiste, pois o veículo em movimento pode se chocar com transeuntes. Se o risco persiste, mas o bem não pode ser substituído simplesmente (o Princípio da Precaução respeita a realidade sócio-econômica, como se observa na sua descrição), então lançamos mão de Medidas de Prevenção. Aliás, se não fosse assim, o carro já teria sido proibido.
Para o carro, temos cintos de segurança, sacos infláveis, faróis, revisões, regras de trânsito. Para os pesticidas temos equipamentos de proteção individual, cabines fechadas, revisões dos equipamentos aplicadores, distância de cursos d’água, receita agronômica e uma série de medidas preventivas para a saúde e meio ambiente descritas nos rótulos e bulas.
Em síntese, o Princípio da Precaução pode ser invocado quando não há ainda uma tradição de uso e desenvolvimento. Exemplifico com os casos das antenas de celulares e dos transgênicos, em que as periculosidades ainda não estão bem estabelecidas. Para os agrotóxicos é evidente que o foco em uma Reavaliação deve ser Medida de Prevenção.
Infelizmente, as atuais Reavaliações brasileiras de pesticidas são realizadas dissociadas da tecnicidade científica. Há uma propensão para renegar as precauções aqui mostradas e uma quase letargia em construir prevenções no contexto da nossa realidade tropical e sócio-econômica.
Eng. Agr. Tulio Teixeira de Oliveira – Diretor Executivo da AENDA

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