Na agricultura o retrabalho é bem conhecido. O lavrador semeia e em razão de uma estiagem mais forte a semente não germina. Replantio é necessário.
Ao tratar do registro de pesticidas agrícolas, o governo executivo resolveu imitar esse martírio do agricultor e distribuiu o serviço entre três órgãos estatais – Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. Uma penalidade para as empresas que solicitam a licença de comercialização desse insumo.
O que não se compreende é porque fez isso se o governo legislativo determinou outra coisa: “Art. 3º Os agrotóxicos, seus componentes e afins, de acordo com definição do art. 2º desta Lei, só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura”. É muito apego à burocracia. E onde está o governo judiciário que não desfaz esse desrespeito do poder executivo ao poder legislativo?
Uma vez dividida a tarefa entre três organismos, além do aumento da burocracia para as empresas, advêm os desencontros.
Um caso emblemático é o do Relatório Semestral. As empresas são obrigadas a cada semestre apresentar os dados de produção, importação, comercialização e exportação. O modelo e dados obrigatórios estão lá estampados no Anexo VII do Decreto 4074/2002. Mas não, cada órgão inventou o seu e as empresas retrabalham para cumprir as exigências arbitrárias. É o desprezo pelo acordado e determinado no Decreto. Tudo em nome da burocracia que cada um acha mais escorchante.
E a fila dos pleitos de registro só aumenta. Em setembro deste ano, na ANVISA havia: Pleitos de registro em análise = 236 Pleitos de registro em fila de espera =1.696 Processos pós-registro em fila de espera = 246
Com uma fila dessas o registro é conseguido em 4 a 5 anos, em média otimista. Assinale-se que o prazo legal para análise de cada processo é de 120 dias após o seu protocolo. Registre-se ainda que o IBAMA e a ANVISA cobram por essa tarefa. É leitores, a fila não é gratuita!
É um triste desempenho brasileiro, com comentários estupefatos mundo afora, nos fóruns de produtos fitossanitários.
Para administrar esses desencontros o Decreto 4074 criou o CTA – Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos. Pena que a autocracia passou a ser o regime adotado por parte desse Comitê. Simples ofícios e atas das reuniões passam a ser regra para os técnicos avaliadores dos três órgãos:
— As empresas não podem mais fazer alterações ou aditamentos nos processos em trâmite (em verdade, parados à espera do trâmite). Agora, os direitos constitucionais são desconsiderados. — As empresas não podem mais trocar lugar na fila de um produto mais interessante ao mercado por outro protocolado a 5 anos atrás cujo interesse imediato já passou. — Imposição de novas exigências, antes não determinadas, aos processos já protocolados. Desrespeito total, pois estudos e testes foram elaborados tendo por base as exigências da data anterior ao protocolo. — Durante as reavaliações de ingredientes ativos os processos na fila dessas substâncias ficam paralisados. Deve ser algum tipo de pleonasmo, pois parados já estão.
O Decreto 4074 no remoto ano de 2002 determinou mais uma coisa, que poderia amenizar esses descompassos. Criou o SIA – Sistema de Informações sobre Agrotóxicos, uma interação eletrônica entre os três órgãos. Mas nunca saiu do papel.
Paciência agricultores! As novas moléculas já usadas em outros países, um dia estarão à disposição de vocês. E os ingredientes ativos já na condição de genéricos lá fora, no futuro estarão também ajudando a queda dos preços do insumo-defensivo e os custos das lavouras.
Enquanto nas lavouras as pragas atacam sem burocracia, no registro dos produtos a ineficácia é retrabalhada por três. Até quando?
Eng. Agr. Tulio Teixeira de Oliveira – Diretor Executivo da AENDA