Por conta de uma disputa comercial levantada no início de 2012, entre um produto em monopólio à base de Acetamiprido e o primeiro produto registrado com esse ingrediente ativo pelo regime da Equivalência, iniciou-se uma celeuma sobre a Classificação Toxicológica totalmente dispensável. O acusador sustenta que não pode existir um produto mais tóxico que outro quando são usados para a mesma finalidade, de acordo com o parágrafo 5º da Lei 7.802/1989. E aponta as quatro Classes Toxicológicas como sendo o balizamento único da toxicidade. E o produto monopolista tem uma Classe de menor toxicidade.
Na esfera administrativa, os técnicos da ANVISA que analisavam o caso recorreram ao entendimento do Procurador do Ministério Público lotado naquele Órgão, e, portanto, bem a par das legislações dos agroquímicos. Este, por sua vez, mais pautado pela letra da legislação e não pela lógica de um toxicologista, foi categórico ao afirmar que a referência do aludido parágrafo 5º só deveria ser aplicado a novo produto, o qual segundo o Decreto 4074/2002 era aquele ainda desconhecido no País. Assim, o produto derivado da equivalência não poderia ser alcançado por essa regra.
O assunto foi parar na Justiça, onde a papelada sufoca os juízes e as protelações e recursos arrastam a decisão para não se sabe quando.
Neste momento, do nada, surge uma Recomendação 15/2013 da Procuradoria da República do Distrito Federal recomendando a ANVISA que não expeça avaliação favorável para produto com perfil toxicológico mais grave que aquele já registrado, ainda que seu ingrediente ativo já tenha registro no Brasil. Cabe aqui a pergunta: quem induziu a Procuradoria do DF a fazer a Recomendação?
O curioso é que a ANVISA, ao invés de dar crédito ao Procurador interno, jogou a bomba no colo da Advocacia Geral da União – AGU. E esta elaborou o Parecer 05, tendendo a aceitar a tese da Procuradoria do DF. Creio que a AGU agiu de forma um tanto açodada, considerando os pontos abaixo descritos.
É importante recuperar os passos para a análise toxicológica dos pesticidas no Brasil. — Em 1967, o governo criou a Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos, via o Decreto 209. Foi então instituído o Grupo de Trabalho sobre a Remanescência de Pesticidas em Alimentos – GT2, grupo multi-institucional que preparou a Resolução CNNPA 12/1974, onde constavam as Tolerâncias (quantidade máxima permitida em alimento) e as Carências (prazos da última aplicação até a colheita). A partir daí a DINAL (Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos) do MS passou a comandar esse assunto, e, em 1985 foram criadas as Monografias dos Pesticidas, com a edição da Portaria 10 da SNVS (Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária) do MS. Nestas Monografias, pela 1ª vez no Brasil, foi introduzido o conceito de Classificação Toxicológica, estabelecendo 4 Classes, de acordo com parâmetros da OMS, tanto para produtos técnicos quanto para produtos formulados. — Como segundo Ato dessa história, surgiu a Lei 7.802/1989, seu Decreto Regulamentador 98.816/1990 e a Portaria 03/1992 da SNVS/MS, atualizando os parâmetros para analisar a toxicidade crônica e a classificação toxicológica com base em dados agudos, esta última de significância menor em se tratando de saúde pública.
Logo abaixo do Parágrafo 5º do Art. 3º da Lei 7.802 está o Parágrafo 6º, que diz claramente ficar proibido o registro de agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor ou que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório com animais tenham demonstrado, tudo isso, segundo critérios técnicos e científicos atualizados.
Ou seja, é isso que o legislador procrastinou. Qualquer produto que apresente um destes tipos de toxicidade deve ser rejeitado, pois consequentemente é mais tóxico que os produtos aceitáveis, na forma da nova Lei. — Assim, o limite do Paragrafo 5º ficou determinado pelo Parágrafo 6º. — Por esta razão, a própria ANVISA em duas oportunidades, 2002 e 2003, revisou todas as Monografias existentes (Consultas Públicas 34/2002 e 50/2003), cancelando diversas delas com a edição das Resoluções 347/2002 e 165/2003.
Tendo o novo produto passado por esses crivos, aí sim, aplicam-se os parâmetros das 4 Classes Toxicológicas, com base apenas em dados toxicológicos agudos. O contexto agora é buscar uma comunicação com o público usuário para que tome cuidados específicos para evitar intoxicações agudas, e aqui não cabe mais impedir o uso de qualquer produto. Para alertar o usuário, optou-se por dar cores às 4 Classes: faixa vermelha no rótulo para o de maior risco (classe I), amarelo para classe II, azul para classe III e verde para classe IV. Mas, repito, todos são aceitáveis para a saúde pública.
As dúvidas para essas classificações com apenas testes de toxicologia aguda, infelizmente, também são grandes. Os protocolos dos testes (Dose Letal Aguda, Dose Letal Dérmica e Inalatória, Irritabilidade Dérmica e Ocular e Sensibilidade Dérmica) sofreram mudanças ao longo dos anos, fato que implicou em termos produtos bem similares (derivados de um mesmo ingrediente ativo) com Classificações Toxicológicas diferentes. Esses produtos, se submetidos aos mesmos protocolos, com altíssima probabilidade, terão Classes idênticas.
Para melhor entendimento, merece revelar o que se passou com a Irritabilidade Ocular. É realizada em coelhos. Aplica-se no olho do roedor a dose a ser testada e, como o coelho não lacrimeja tal qual o ser humano, borrifa-se água para imitar o lacrimejamento. Pois bem, em dado instante, a ANVISA exigiu que não se fizesse mais esse borrifamento. Evidente que a Classe de produto desta segunda fase não pode ser comparada com a Classe de produto da primeira fase. Não foi o produto que ficou mais tóxico, foi o método de análise que mudou.
Todo esse episódio lembra outro da área do Tabaco. Vocês sabiam há uma ordem da indústria fumageira brasileira para que o fumicultor não use agroquímico Classe I? Pois é, no Brasil a nicotina é colhida com sustentabilidade! Nada contra um bom cigarrinho, mas uma leitura precipitada do que significa toxicidade pode levar a atitude falaciosa.
Por tudo isso, o Ministério Público deve sair de cena, visto a música ser eminentemente de melodia técnico-científica e a legislação apenas cuidar dos aspectos de direitos e deveres dos envolvidos; data vênia é claro. Mas antes deve desfazer a confusão, pois a insegurança jurídica paira sobre centenas de produtos já avaliados e registrados.